Roberto Corundu

Jogar / Viver

Em Mudança de Jogo, pode ser tomada como um sinal de transformação a ausência dos elementos metálicos que se tornaram característicos da obra de Frida Baranek. Contudo, muitos dos materiais que constituem as novas esculturas foram por ela usados anteriormente. Em verdade, seu trabalho tem usado matérias dos reinos mineral, vegetal e animal processadas, como o pó de mármore e as peças de borracha, feltro e couro, ou conformadas como artefatos — neste caso, varetas e bambolês de vidro, sacos de cânhamo, corda de sisal. A diferença agora é menos a variedade e mais a simultaneidade com que ela os experimenta e expõe. O que, significativamente, faz lembrar o início de sua trajetória.

A persistência também pode ser notada em um componente comum à escultura feita de corda e à gravura: o emaranhado, um símbolo da tensão entre o amorfo e o estruturado que tem perpassado sua poética. Nesse sentido, vale observar que recentemente ela começou a apresentar lado a lado suas experimentações nos domínios escultórico e gráfico — outro indício de experimentações concomitantes e interconectadas. Novidade ainda é a cor, que, embora tenha precedentes em sua obra, aparece agora de modo inusitado. Mais do que a diversidade cromática nas peças e entre elas, importa que cada uma e a série se estruturem também a partir dos diálogos entre os tons próprios aos materiais.

Entretanto, o maior signo de mudança é a indeterminação morfológica das esculturas. Até aqui, algumas de suas peças podiam assumir configurações diferentes ao serem remontadas.

As obras desta série não estão definitivamente conformadas pela artista, podendo ser reestruturadas quase infinitamente de acordo com os elementos e as regras por ela estabelecidos.

Derivada de uma reflexão sobre seu fazer e de uma vontade de maior participação do outro, a indeterminação é enfrentada de modo lúdico. Como em outras de suas obras, ela parte de objetos do mundo: o bambolê e o jogo Pega Varetas, rememorando brincadeiras infantis. Vazios e buracos, permeabilidades e articulações também sugerem possibilidades de manipulação e rearranjo das peças. Memória e experiência que indicam obras em aberto, mas nem tanto.

As regras, assim como certas particularidades das peças, ao mesmo tempo viabilizam a ação e lhe impõem limites. O jogo é tenso, apesar da sedutora sensorialidade material, cromática e formal. Na passagem do mundo infantil ao da arte, os brinquedos se tornam objetos disfuncionais e um tanto perigosos. Delicados, quebráveis e possivelmente cortantes, bambolês e varetas instigam o corpo a corpo, mas oferecem resistência. Elementos pontiagudos, contorcidos, perfurados e tensionados, asperezas e lisuras, redução a pó — nesta série, não faltam signos que conjuguem beleza e crise, prazer e dor.

Mais do que a capacidade de, ao mesmo tempo, armar e renovar uma singularidade artística, o jogo de opostos, de permanências e alterações, é uma expressão de vitalidade. Não apenas as alusões corpóreas fazem pensar na dimensão humana e existencial dessa série. Anal, joga quem vive. E a vida pode ser entendida como um jogo de continuidades e mudanças por estruturar.

© Roberto Conduru
In: Frida Baranek, Game Change. São Paulo: Gabinete de Arte Raquel Arnaud, 2014. (exhibition folder)

Mudança de jogo com couro vermelho, 2014